O povo judeu é uma invenção?
Shlomo Sand defende idéia de nação desvinculada da origem religiosa
Historiador da Universidade de Tel Aviv. Nascido na Áustria, filho de judeus poloneses sobreviventes do Holocausto, é doutor em ciência política e especialista em teorias do nacionalismo
Glória Paiva
Há 20 semanas, um livro de história supera romances e obras de auto-ajuda, figurando entre os mais vendidos nas livrarias israelenses. Seu autor, Shlomo Sand, não esperava tamanho sucesso e tampouco a tradução de seu trabalho para seis línguas. "When and how was the Jewish People Invented?" (Como e quando o povo de Israel foi inventado?, ainda sem tradução para o português) trouxe uma brisa de ar fresco aos empoeirados tratados sobre a história de Israel, além de uma boa dose de polêmica.
A obra de Sand reúne evidências arqueológicas, notas geográficas e históricas e os mais diversos registros para embasar sua teoria: de que a história de Israel como a conhecemos é uma invenção do século XIX. Para Sand, não existe um povo judeu com origens, língua e passado em comum, mas uma profusão, em diferentes épocas e países, de conversões ao judaísmo e migrações proselitistas.
O autor nega a existência dos dois exílios judaicos (no século V a.C. e em 70 d.C.), atestando que os romanos jamais exilaram um povo, e alega que não há provas sobre os reinos de Davi e Salomão. "O sionismo mudou a idéia de Jerusalém. Antes, os lugares sagrados só serviam para serem adorados, e não para viver neles. Por 2.000 anos, os judeus ficaram longe de Jerusalém não porque os romanos os impediam, mas porque sua religião proibia isso até a vinda do messias."
Sand também critica a ausência de menções, na historiografia judaica, ao reino dos cazares, povo turcomano que ocupou a atual Rússia entre os séculos VII e X e se converteu massivamente ao judaísmo. O historiador explica que esta foi a gênese de uma grande população judaica falante de iídiche da Europa central e oriental. A controvérsia se completa quando Sand atesta que os palestinos da atual Cisjordânia são descendentes diretos dos judeus daquela região, convertidos ao islamismo na ocupação muçulmana. Abaixo, confira trechos da entrevista concedida por Sand ao jornal O TEMPO.
Minientrevista com
Shlomo Sand
62. Historiador da Universidade de Tel Aviv. Nascido na Áustria, filho de judeus poloneses sobreviventes do Holocausto, é doutor em ciência política e especialista em teorias do nacionalismo
Você se surpreendeu de ver seu livro entre os best-sellers de Israel?
Sim, porque sei que não se trata de um livro "fácil". Não sou um escritor, sou historiador. E este não é simplesmente um livro de história, mas um livro que desconstrói a história. Tinha medo de publicar, mas sei que vivo numa sociedade muito liberal e pluralista. Na verdade, a maior parte das evidências e provas no livro já é conhecida. Eu não descobri nada novo, só organizei de forma diferente o conhecimento já produzido sobre as origens de Israel.
Como você define o nacionalismo israelense?
O nacionalismo de Israel não é religioso, como muitos pensam, mas etnocêntrico. Acho que as pessoas que construíram o Estado de Israel estavam muito distantes da religião. A religião foi instrumentalizada para que as fronteiras e a nação em si fossem criadas. Depois, não conseguiram se libertar das definições religiosas. Uma democracia não pode ser construída assim.
Como foi sua pesquisa?
Foram 15 anos de buscas. Como historiador, fui muito solitário, porque antes de mim apenas cientistas políticos trataram o tema dessa maneira. Os historiadores são muito conservadores aqui. Utilizei obras de geógrafos, cientistas políticos, arqueólogos.
Onde você achou provas para a sua teoria?
Em livros de história antiga, no Talmude, livros latinos, historiadores árabes. Em muita coisa do século XI e estudos da área de sociologia e ciência política. Na arqueologia encontrei algumas novidades, todas descobertas dos últimos 20 anos. Sem elas não teria coragem de escrever o livro.
Existiu um processo de criação da história de Israel?
Na segunda metade do século XIX, começaram a pensar em Israel como nação e foram obrigados a criar um passado comum que unisse o povo judeu. E tiveram êxito. Uma das condições ao se criar uma nação é inventar uma história linear, em que as pessoas têm a mesma origem. É uma forma de ser coerente, porque geralmente a origem de um povo é plural.
O que houve de peculiar no caso de Israel na criação então?
A peculiaridade é que precisávamos crer que estávamos lá há mais tempo que os palestinos. Era preciso criar uma idéia de que lá era um refúgio, um lugar para onde os judeus pudessem voltar. A visão do passado histórico judeu precisava se conectar com a história bíblica. O passado era importante para justificar a colonização dessa terra.Houve um esforço para encobrir a história verdadeira?
O judaísmo é uma religião. Essa presença da religião foi importante, mas isso não significa que o povo judeu existe como um povo, que descende do mesmo "etnos". Existiu, no passado. Uma nação é uma nação quando tem em comum a língua, o passado, os hábitos culturais. Os judeus não têm isso. A única coisa em comum é a religião. A origem de um grupo judeu que veio da Ucrânia é completamente diferente de uma família judaica do Marrocos.
Você é contra a existência de Israel como um Estado?
Não. O conceito de nacionalismo é que errado: Israel é tido como um Estado de judeus, e não de israelenses. E eu ainda acho que essa definição vai destruir Israel. Eu não sou contra a existência de Israel. Sou contra a existência de um Israel etnocêntrico. Temos que ter dois Estados: um dos israelenses e outro dos palestinos. Não de judeus e muçulmanos.
Shlomo Sand defende idéia de nação desvinculada da origem religiosa
Historiador da Universidade de Tel Aviv. Nascido na Áustria, filho de judeus poloneses sobreviventes do Holocausto, é doutor em ciência política e especialista em teorias do nacionalismo
Glória Paiva
Há 20 semanas, um livro de história supera romances e obras de auto-ajuda, figurando entre os mais vendidos nas livrarias israelenses. Seu autor, Shlomo Sand, não esperava tamanho sucesso e tampouco a tradução de seu trabalho para seis línguas. "When and how was the Jewish People Invented?" (Como e quando o povo de Israel foi inventado?, ainda sem tradução para o português) trouxe uma brisa de ar fresco aos empoeirados tratados sobre a história de Israel, além de uma boa dose de polêmica.
A obra de Sand reúne evidências arqueológicas, notas geográficas e históricas e os mais diversos registros para embasar sua teoria: de que a história de Israel como a conhecemos é uma invenção do século XIX. Para Sand, não existe um povo judeu com origens, língua e passado em comum, mas uma profusão, em diferentes épocas e países, de conversões ao judaísmo e migrações proselitistas.
O autor nega a existência dos dois exílios judaicos (no século V a.C. e em 70 d.C.), atestando que os romanos jamais exilaram um povo, e alega que não há provas sobre os reinos de Davi e Salomão. "O sionismo mudou a idéia de Jerusalém. Antes, os lugares sagrados só serviam para serem adorados, e não para viver neles. Por 2.000 anos, os judeus ficaram longe de Jerusalém não porque os romanos os impediam, mas porque sua religião proibia isso até a vinda do messias."
Sand também critica a ausência de menções, na historiografia judaica, ao reino dos cazares, povo turcomano que ocupou a atual Rússia entre os séculos VII e X e se converteu massivamente ao judaísmo. O historiador explica que esta foi a gênese de uma grande população judaica falante de iídiche da Europa central e oriental. A controvérsia se completa quando Sand atesta que os palestinos da atual Cisjordânia são descendentes diretos dos judeus daquela região, convertidos ao islamismo na ocupação muçulmana. Abaixo, confira trechos da entrevista concedida por Sand ao jornal O TEMPO.
Minientrevista com
Shlomo Sand
62. Historiador da Universidade de Tel Aviv. Nascido na Áustria, filho de judeus poloneses sobreviventes do Holocausto, é doutor em ciência política e especialista em teorias do nacionalismo
Você se surpreendeu de ver seu livro entre os best-sellers de Israel?
Sim, porque sei que não se trata de um livro "fácil". Não sou um escritor, sou historiador. E este não é simplesmente um livro de história, mas um livro que desconstrói a história. Tinha medo de publicar, mas sei que vivo numa sociedade muito liberal e pluralista. Na verdade, a maior parte das evidências e provas no livro já é conhecida. Eu não descobri nada novo, só organizei de forma diferente o conhecimento já produzido sobre as origens de Israel.
Como você define o nacionalismo israelense?
O nacionalismo de Israel não é religioso, como muitos pensam, mas etnocêntrico. Acho que as pessoas que construíram o Estado de Israel estavam muito distantes da religião. A religião foi instrumentalizada para que as fronteiras e a nação em si fossem criadas. Depois, não conseguiram se libertar das definições religiosas. Uma democracia não pode ser construída assim.
Como foi sua pesquisa?
Foram 15 anos de buscas. Como historiador, fui muito solitário, porque antes de mim apenas cientistas políticos trataram o tema dessa maneira. Os historiadores são muito conservadores aqui. Utilizei obras de geógrafos, cientistas políticos, arqueólogos.
Onde você achou provas para a sua teoria?
Em livros de história antiga, no Talmude, livros latinos, historiadores árabes. Em muita coisa do século XI e estudos da área de sociologia e ciência política. Na arqueologia encontrei algumas novidades, todas descobertas dos últimos 20 anos. Sem elas não teria coragem de escrever o livro.
Existiu um processo de criação da história de Israel?
Na segunda metade do século XIX, começaram a pensar em Israel como nação e foram obrigados a criar um passado comum que unisse o povo judeu. E tiveram êxito. Uma das condições ao se criar uma nação é inventar uma história linear, em que as pessoas têm a mesma origem. É uma forma de ser coerente, porque geralmente a origem de um povo é plural.
O que houve de peculiar no caso de Israel na criação então?
A peculiaridade é que precisávamos crer que estávamos lá há mais tempo que os palestinos. Era preciso criar uma idéia de que lá era um refúgio, um lugar para onde os judeus pudessem voltar. A visão do passado histórico judeu precisava se conectar com a história bíblica. O passado era importante para justificar a colonização dessa terra.Houve um esforço para encobrir a história verdadeira?
O judaísmo é uma religião. Essa presença da religião foi importante, mas isso não significa que o povo judeu existe como um povo, que descende do mesmo "etnos". Existiu, no passado. Uma nação é uma nação quando tem em comum a língua, o passado, os hábitos culturais. Os judeus não têm isso. A única coisa em comum é a religião. A origem de um grupo judeu que veio da Ucrânia é completamente diferente de uma família judaica do Marrocos.
Você é contra a existência de Israel como um Estado?
Não. O conceito de nacionalismo é que errado: Israel é tido como um Estado de judeus, e não de israelenses. E eu ainda acho que essa definição vai destruir Israel. Eu não sou contra a existência de Israel. Sou contra a existência de um Israel etnocêntrico. Temos que ter dois Estados: um dos israelenses e outro dos palestinos. Não de judeus e muçulmanos.
(Este é um trabalho de pesquisa)
By Gutemberg de Moura
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