“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra morde a isca alguma coisa se escreve. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. o que salva então é ler distraidamente”
(Clarice Lispector)
Caros Poetas e Leitores em geral, gostaria de abordar um tema de Nosso interesse: A Interpretação Literária.
É notório que o ato de interpretar está presente em toda manifestação da linguagem, uma vez que não se produz sentido sem que se realize o trabalho da interpretação.
Considera-se aqui que a linguagem possui a incompletude como propriedade fundamental. Sendo impossível à linguagem dizer tudo, pela permanente e inesgotável possibilidade de dizer mais; o ato de dizer exige o gesto da interpretação, para que um possível sentido seja determinado. A interpretação marcada pela precariedade do seu material discursivo, em vez de dizer o dito, é remissão ao mais além dos sentidos produzidos. O texto (literário ou qualquer outro texto) aponta para diversos planos significantes e cada interpretação resulta num produto significativo diferente. Por isso é impossível dizer que inexiste um texto (em-si) original, do qual todos os outros derivam, mas que o texto “original” é um sítio significante, vem a ser: vários textos são possíveis dentro de um mesmo texto. Pode-se dizer que o texto se situa num espaço arqueológico, idéia grata a Freud e a Foucault, de onde o discurso irrompe trazendo consigo camadas de significâncias, a serem exploradas/analisadas/produzidas.
A interpretação surge para produzir sentidos, visto que o sentido não é um dado literal, ou seja, predeterminado por atributos inerentes ao discurso. Na produção de sentido, uma palavra recorre à outra palavra esta a outra, num deslocar contínuo, nesse sentido, diz Lacan, que é na substituição do Significante que se produz um efeito de significado. Luiz está correto aqui???
O sujeito que interpreta é o sujeito da história. Sua interpretação marca uma posição diante das relações /redes de sentido que foram se constituindo a cerca do objeto da interpretação e produz deslocamentos nessas (re-significações). Penso que é importante sublinhar que a interpretação, por se dar a partir de um lugar da história e da sociedade, fala a respeito desse lugar e, por isso, toda interpretação possui uma dimensão política/ideológica, mesmo que o sujeito da interpretação não o “perceba”.
Pode-se dizer com convicção que, ao significar, o sujeito se significa, pois o interpretar aponta para uma direção do sujeito. Assim, é por meio do discurso/interpretação que o sujeito produz a realidade co a qual se relaciona.
O texto somente existe em movimento, o movimento do texto refere-se à sua relação com outros textos, com suas condições de produção, com o que já se disse dele; mas, principalmente e necessariamente com o seu leitor. A historicidade do texto refere-se a sua Mise-Em-Oeuvre, o que significa que um é atravessado por diversas formações discursivas apreendidas pelo leitor/interprete no ato da leitura. O interprete é capaz, na medida da sua memória cultural de trabalhar as sinuosidades do texto, seus silêncios, produzindo novos textos/novos sentidos. Podemos dizer como Orlandi (Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico) que: “O sujeito é responsável pelo sentido do que faz sentido.
Ler/interpretar é saber que o sentido produzido poderia ser outro, pois não existe o objeto em-si (a obra em-si), mas obra em inter-discurso (ou intertexto). O que se realiza no ato de interpretar é tornar explícita a relação que o leitor estabelece com a obra por meios dos seus arquivos (memória cultural), das suas refrências. Os resultados da interpretação são novos deslizamentos de sentidos, novas metáforas, novos resultados de significação, novos silêncios, novas perplexidades. O inacabamento do trabalho do dizer é inerente ao dizer. Nunca será possível encontrar o sentido, mas é justamente isso o que torna possível que os discursos se produzam.
Para concluir, voltamos à idéia inicial de que não existe sentido sem interpretação, e que esta não se dá sem a relação do sujeito com o Mundo, com a história. Por isso todas as interpretações são passivei de serem colocadas sob “suspeição”, ou melhor: de se tornarem objeto para novas interpretações.
Este Artigo Eu dedico A uma pessoa muito especial, que mostrou o maravilhoso mundo de se interpretar um texto.
Muito Obrigado Professor Luiz Antonio Damasceno.
Gutemberg de Moura
Muito obrigado, meu caro amigo. Sinto-me lisonjeado e envaidecido, sem ficar afetado, entendo que a "leitura" de um texto vai além do ato de decodificá-lo, isto é do de ler letras, palavras e frases, pois todo um universo entra em ação no momento em que um texto cai em nossas mãos e passa a ser um objeto de leitura e também de releituras, visto que na hora da análise, de modo consciente ou inconsciente, checamos nossos ideias, pensamentos e pontos de vista com o do autor e,às vezes,há uma identidade naquilo que se codificou e pode acontecer um discussão unilateral, imagine só uma discussão unilateral!!! Considero muito os vários contextos visitados e revisitados e o universo que foi centrado. Gutemberg, analisar os seus textos é "poder fazer a leitura do mundo", uma vez que estão sempre impregnados de CULTURA, mostram os vários contextos e,ainda, ajuda o leitor a desmistificar as ideologias, construir conhecimentos, reforçar conceitos e valores. Ter citado Lacan foi ótimo!!! Rapaz, tu não estás moleza. Olha só análise do discurso se fazendo presente. Levantou uma tese!!! Parabéns, continue escrevendo sempre para o nosso deleite e para responder os nossos questionamentos ou mesmo ser o "norte" para provocar outros questionamentos e abrir espaços para outros pesquisas e estudos. Um abraço
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